segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Acampamento Farroupilha

Na semana passada iniciou em Porto Alegre a montagem dos piquetes que irão compor o Acampamento Farroupilha. A abertura oficial do Acampamento está marcada para o dia sete de setembro, quando a chama crioula chegará, dando início as atividades. 
Esta edição da Semana Farroupilha terá como tema "O Rio Grande do Sul no imaginário social". O imaginário resulta de um vasto conjunto de imagens, símbolos e ritos, enfim, do conjunto de experiências coletivas ou individuais de uma sociedade. 
O piquete "Herança Pampeana", da Cia. Carris, já está quase pronto. Através do piquete, nós da Unidade de Documentação e Memória participaremos das atividades culturais desta Semana Farroupilha. Nossa equipe já vêm a algumas semanas "bolando" atividades culturais que façam referência ao rico imaginário do Rio Grande do Sul.
Com certeza, os amigos que nos visitarem a partir do próximo dia sete lá no acampamento serão muito bem recebidos e poderão se surpreender com nossas atividades culturais. A seguir, iremos postar algumas imagens de acampamentos anteriores que tiveram a participação da Cia. Carris para já ir criando um "clima" entre nossos leitores.






segunda-feira, 19 de agosto de 2013

A Rosácea


Ainda falando sobre as crônicas dos 130 anos da Carris, escolhemos mais um texto que fez parte do livro "Carris, relatos da história e outras memória". Para hoje optamos por uma crônica bem leve e divertida, para alegrar um pouco a segunda feira.
A Rosácea
Janjão era um tipo bastante curioso por não ter escrúpulo em dizer ou fazer algo que pudesse passar alguém para trás, a ponto de dizer a bom som que não pagava nem promessa para santo. Era o protótipo do amigo da onça, do inesquecível Péricles... Todos os dias, às 8 horas, pegava ele, o bonde em frente ao cinema Castelo, na Av. Azenha, descendo na Rua Sarmento Leite, pois era bedel da Universidade. Retornava às 17 horas, pegava o bonde na Praça do Portão e descia no Cine Castelo.
Um dia bolou um plano e a pôs em prática. Subiu no bonde, sentou-se e quando o cobrador cobrou a passagem, ele tirou a carteira do bolso do casaco, abriu-a retirando uma bonita cédula rosácea. Levou-a na direção do trocador, que a repeliu dizendo não ter troco, fazendo trejeitos.
Janjão guardou a mesma na carteira e esta, no bolso. Virou-se para a janela, passando a olhar a paisagem do trajeto. Assim passou-se quase um mês de sucesso, pois quando algum cobrador perguntava se ele não tinha menos, ele dizia: - A obrigação de ter troco não é do passageiro, mas do cobrador!!
Mas, numa tarde em que voltava para casa, subiu no bonde pelo lado esquerdo do motorneiro. este tinha ao seu lado um fiscal que percebeu o cenho alto do colega e dirigiu-se para o meio do bonde postando-se atrás do cobrador, fazendo um discreto sinal para um inspetor que estava junto a uma das portas traseiras do bonde. Este também chegou-se para o seu lado. Janjão sentou-se.O cobrador chegou e ele tirou a carteira do bolso, abriu-a retirando a rosácea. Essa era uma cédula de 50 mil réis com o carimbo de 50 cruzeiros com a efígie de Xavier da Silveira, que circulou até o início dos anos 50, assim conhecida entre os numismais. Mostrou-a ao cobrador que a segurou rapidamente passando-a ao cobrador que a segurou rapidamente passando-a ao fiscal, que, simultaneamente, a entregou ao inspetor. Este entregou ao fiscal um saquinho com moedas, que por sua vez, repassou ao cobrador, que entregou ao Janjão, que atônito, o pegou nas mãos, ouvindo do cobrador: - Senhor! Este saquinho contém 99 moedas de 50 centavos, ou seja: 
Quarenta e nove cruzeiros e cinquenta centavos. Com elas o senhor pode viajar 99 vezes sem encontrar dificuldades de troco!! Com agradecimento da Companhia Carris Porto-Alegrense... Por certo deve ter passado por sua mente um velho ditado... "A raposa, tanto vai ao ninho, que um dia deixa o focinho". 


segunda-feira, 12 de agosto de 2013

A última viagem do bonde gaiola

No ano de 2002, para comemorar os 130 anos da Companhia Carris, foi lançado um concurso de contos que relatassem memórias sobre a Carris. Os textos que tiveram uma boa classificação foram reunidos em um livro intitulado "Centro e trinta anos Carris: relatos da história e outras memórias". Iremos transcrever a baixo trechos do conto intitulado "A última viagem do bonde gaiola", escrito por Clovis Milton Duval Wanmacher: 
Desci a Rua Clara até a Rua da Parais e corri em direção à parada de bonde, o frio castigando as pernas por causa das calças curtas. Em seguida ouvi o rangido do bonde Gasômetro. Era um bonde "gaiola", cantando e dançado sobre os trilhos. 
-"Tem lugar, vamos dar mais um passinho ao fundo do corredor, repetia o motorneiro". Não dei bola e sentei-me num banco lateral da frente, de onde podia bisbilhotar os outros passageiros. Para me distrair comecei a ler os reclame fixados no bonde. Lá estava o xarope Bromil, o amigo do peito. E eu, que já tinha chiado do peito, fiquei a matutar se algum dia ainda consideraria o Bromil tão amigo quanto o Heron, meu colega da quarta série e filho de um cobrador de bonde. Aquele sim era amigo do peito (...). 
O bonde parou em frente a Pharmacia  carvalho. Na fachada havia um reclame da Pomada São Lázaro, um santo remédio. mas como o remédio podia ser santo? (...) Vi de relance a mulher da Pharmácia Carvalho, bem bonita, apesar de já ter mais de vinte anos. Continuei lendo os reclames: "Contra dores, queimaduras, torcicolos, torceduras, reumatismo, contusões, um remédio já usei e pronto alívio encontrei, com Pronto Alívio Radway". Meu Deus, pensei, o que seria Radway? (...). O gaiola parou, esperando a passagem de outro bonde pelos trilhos da frente. Uma guria da minha idade sentou-se à minha frente. Grudei nela e fiquei um baita tempo secando, só para ver se ela me dava bola. O gaiola voltou a andar, gingando nos trilhos com aquele rebolado que mais parecia o da mulher da Pharmacia Carvalho. Meio minuto depois comecei a achar a guria feia e voltei a olhar os reclames. lá estava o homem com o bacalhau nas costas. Deus do céu! Que coisa mais horrorosa aquele óleo de fígado de bacalhau, chegava a embrulhar o estômago. Ao lado do bacalhau estava o Vinho Reconstituinte Silva Araújo. Mas que palavra mais feia aquela, reconstituinte. Que será que significava? Credo, pensei cá com os meus botões, mas como tem palavra esquisita. Então me lembrei da vez em que o tio José trouxera garrafão de vinho doce e bebi uma caneca inteirinha. Além de ficar tonto e me esborrachar no chão, levei uma baita tunda do meu pai. 
Quando o bonde fez a curva na Casa Guaspari e entrou no abrigo da Praça Quinze, o motorneiro avisou que o bonde gaiola voltaria para o fim da linha, no Gasômetro, e que a gente deveria descer e fazer uma baldeação. Troquei de bonde e continuei a minha viagem, com a cabeça no ar, contando os postes, até descer na parada do colégio. No dia seguinte, os bondes foram recolhidos, e com eles, um pedaço da minha infância. 

Abaixo uma imagem de um bonde "gaiola".
 



segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Um bom motivo para usar o freio...

Iremos agora transcrever uma crônica escrita por um ex colega de empresa, o senhor Celso Gonzaga Porto. Em sua crônica, o senhor Celso nos conta um pouco sobre como era o treinamento dado aos aspirantes motorneiros na época dos bondes. Como poderemos ver, este era um treinamento bastante "puxado" e eficiente: 

Um bom motivo para usar o freio

A Companhia Carris Porto-Alegrense foi famosa no tempo em que utilizava um padrão administrativo americano. Disciplina e rigorismo eram essenciais em todo e qualquer setor da empresa, o que denotava uma administração impecável. E assim era também no quesito de treinamento. 
O treinamento mais rigoroso envolvia candidatos a motorneiro de bonde, nome dado ao profissional que conduzia o veículo. O motorneiro era, em verdade, o "motorista do bonde". Por essa razão, tal treinamento não poderia ser superficial, visto que, no dia a dia, esses futuros profissionais teriam muitas vidas humanas sob sua responsabilidade. 
Por vários dias, um bonde devidamente identificado com os dizeres "EM TREINAMENTO", circulava pelas diversas linhas que constituíam a rede ferroviária da Carris. No comando do grupo de aprendizes, estava sempre um profissional experiente e conhecedor de todos os meandros da arte de "pilotar" um bonde, que procurava intensificar, na prática, os conhecimentos trazidos das aulas teóricas. 
O bonde era considerado um veículo seguro. Essa segurança era devida aos diversos sistemas de freio que ele possuía. Todo motorneiro era condicionado a conhecer e saber usar os recursos que o veículo oferecia. Entre esses estava o freio normal a vácuo, acionado por uma alavanca manual junto ao controle do bonde; a reversão, recurso em uma chave que, ao ser invertida na sua posição, fazia o bonde andar para trás; uma alavanca redonda, à direita dos controles, quando girada manualmente, acionava o freio mecânico; um sistema que, em dias de chuva, colocava areia sobre os trilhos para evitar derrapagem. Além desses, havia mais outros recursos que poderiam ser acionados em emergências. 
Os aprendizes portavam orgulhosos seu uniforme cáqui, tradicional da Carris, devidamente limpos, bem passados e "engomados". O fardamento impecável era parte de cobrança ao bom profissional.
Um dos artífices na formação de novos motorneiros era  seu Eugênio. Figura respeitadíssima por todo servidor que teve a graça de conviver com ele em diversos momentos da Carris. Respeitado por seu rigorismo e por sua disciplina, que se refletiam até no ritual que mantinha nos horários de início e fim dos intervalos para o cafezinho, hábito mantido pela manhã e tarde no expediente da empresa. 
Segundo relato de velhos motorneiros, seu Eugênio postava-se na plataforma dianteira, ao lado do aprendiz, e ali solicitava-lhe as tarefas para que só a presença do instrutor ali era motivo de muita tensão. Para complementar o teste seu Eugênio solicitava ao futuro motorneiro:
-Me dê a sua túnica (casaco do uniforme).
Ato contínuo, ordenava ao aprendiz: 'Agora coloque oito pontos'. 
Oito pontos era a velocidade máxima, possível de ser desenvolvida pelo bonde e, normalmente, a pedida era feita uma grande reta. Quando o bonde atingia a velocidade máxima, seu Eugênio jogava nos trilhos a túnica impecável do aprendiz. Neste momento, ele se dividia em ações nos controles do bonde, usando todos os seus recursos de freio para preservar sua peça do uniforme. A partir daí duas coisas poderiam acontecer: o veículo era freado antes de atingir a túnica e o comentário era:
-Muito bem, se fosse uma pessoa o senhor não a teria matado.
Caso contrário além de destruir a peça do seu uniforme, o comentário era outro:
- O senhor está reprovado. Se sua túnica fosse uma pessoa, ela agora estaria morta. 
Resultado: além de perder o casaco, o candidato perderia também o emprego".