segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

A greve de ônibus de 1955 e o texto de Josué Guimarães

   Realizando uma pesquisa no Arquivo Histórico de Porto Alegre Moysés Vellinho, encontramos um texto que é uma preciosidade:  uma coluna do jornal "A Hora", assinada pelo escritor e jornalista Josué Guimarães. O texto da coluna trata sobre a greve do transporte público de 1955 (o que nos interessa, aqui no Memória Carris) e é um exemplo da inteligência e talento do autor. 
    Josué Guimarães (1921-1986) é considerado um dos grandes jornalistas e escritores brasileiros. Autor de romances gaúchos fundamentais como "A Ferro e Fogo", "Camilo Mortága" e "Dona Anja", entre outros, Josué Guimarães foi jornalista de diferentes órgãos de imprensa do Brasil e o vereador de Porto Alegre mais bem votado na eleição de 1951. Um homem do seu tempo, atuante nas questões políticas e sociais, o autor tem opiniões bastante claras, que ficam evidentes no texto que iremos transcrever a seguir:

"Conversa do Dia: ônibus e eleições"
                        
                                                            Josué Guimarães

  Por incrível que pareça, a greve dos proprietários de empresas particulares de ônibus já teve o signo das eleições de outubro. Aos políticos se torna extremamente difícil pensar em termos não eleitorais, tanto mais que seus nomes começam a aparecer como candidatos a postos eletivos. O governador Ildo Meneghetti, por exemplo, achou as tabelas - tanto da cidade quanto as intermunicipais - excessivamente altas e injustas, conquistando por isso o aplauso dos trabalhadores através de suas entidades de classe. Entretanto no Estado a coisa já foi consumada com a publicação pelo Diário Oficial , das tabelas majoradas. Ao DAER - em que pese o sorriso e as promessas do governador - cabe cumpri-las. No Município, o prefeito substituto achou por bem negar autorização para os aumentos pedidos originando-se daí a greve que durou pouco, porque era greve de opereta e opereta de patrão.
   Vale notar, que quando se trata de greve de patrão ninguém fala em 9070, em repressão policial, em Ministério do Trabalho, em prisões e em outras medidas habituais quando as greves são dos empregados. Tanto mais estranhável quando sabemos na direção da Inspetoria dos Serviços Públicos Concedidos um cidadão que foi Delegado de Ordem Política e Social e sempre agiu drasticamente em greves anteriores. Desta vez as conversações foram amigáveis, pois eram patrões. Então o prefeito solucionou o impasse de maravilhosa maneira: das 23 linhas de micro-ônibus postulantes de melhores tarifas manteve em 22 os preços que deram origem ao movimento paradista. Uma só - da Independência - viu a tabela reduzida em 50 centavos, e justamente aquela que serve uma linha granfina sabidamente.  Enquanto aos ônibus  aumentou a linha da Ponta do Aterro, manteve a tabela pedida em cinco e propôs a redução de 50 centavos em 16 linhas, das quais 10 da Carris, isto é, a maioria das linhas que teriam a majoração diminuída pertence ao município, que termina pagando a diferença, como até agora. Nas outras, incluido-se as linhas Farrapos 2 e 3, dividiu os preços em CR$2,00 até determinado ponto e CR$2,50 até o fim da linha, o que dá no mesmo e atenta contra os mais pobres que buscam casas e terrenos mais baratos nos fins das linhas. 
  Na Câmara os aplausos foram gerais, incluindo-se a bancada trabalhista que não teve uma palavra em defesa da tabela proposta e aprovada pelo próprio sr. Manuel Vargas. 
   De tudo se conclui o seguinte: não convém dar a impressão ao povo de que se está aumentando os preços. Depois das eleições estudaremos com carinho este e outros assuntos delicados. Quando entrar no Legislativo o reexame das Tabelas do DATC a corrida contra o aumento será impressionante. Noventa por cento dos vereadores são candidatos à volta. O Município que leve a breca. Se aos particulares se concede algum aumento a fim de não irem a falência, ao Município compete esperar sempre 'para depois das eleições'. E assim vamos indo a bancarrota e a matroca. 
  Que eu saiba não existe nenhum levantamento sério por parte dos órgãos sérios da Prefeitura quanto ao custo real das passagens da sua frota de ônibus. Tudo e do mais ou menos. E se chegarem a conclusão de que as tabelas são baixas, mesmo assim entenderão que a melhor política é mantê-las  com medo de enfrentar a grita popular. Mas a verdade é que no Município somos o reflexo da inflação nacional do Sr. Gudin e de outras eminentes personalidades que desgraçam este país. Sacrificar ainda mais os cofres do Município com receio de cair em desgraça popular é demagogia e da barata, me perdoem."*

* Jornal "A Hora", 24 de abril de 1955, página 10. 


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